A familiaridade pode nos roubar o encantamento. Tornar-se excessivamente confortável com um objeto, local ou dizer pode nos fazer ignorar sua singularidade ou relevância. É como uma música no rádio; o que antes era cativante e significativo torna-se monótono e sem sentido quando ouvido com muita frequência. O mesmo pode acontecer com as verdades das escrituras. A popularidade de certos versículos pode, se não for controlada, fazer com que percamos o impacto completo da Palavra de Deus em nossas vidas.
Isso é especialmente verdadeiro no caso de 1 Coríntios 13. Aqui, as palavras de Paulo sobre a natureza do amor são amplamente reconhecidas como uma das articulações mais profundas sobre o amor já escritas. Além disso, tornou-se a passagem preferida para cerimônias de casamento e votos matrimoniais. Está em pôsteres, camisetas e incontáveis memes. Quando os cristãos pensam em romance, é quase certo que em algum momento essas palavras serão mencionadas.
“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha.” 1 Coríntios 13: 4-8
Há apenas um problema com isso: Paulo não está escrevendo sobre romance! Esta passagem não descreve o relacionamento entre maridos e esposas, namorados ou namoradas. Paulo não está tentando descrever a instituição do casamento. Suas declarações sobre o amor não se referem a expressões sentimentais de carinho ou sentimentos de atração. Ouvir este versículo dessa maneira é interpretar erroneamente o chamado de Paulo para nossas vidas cristãs. Na verdade, o que Paulo diz é muito mais profundo e radical.
Para entender exatamente o que Paulo está dizendo e quão importante é essa palavra para nossas vidas hoje, precisamos entender três coisas sobre o amor descrito em 1 Coríntios 13.
O que significa “O amor é paciente, o amor é bondoso”?
1 Coríntios 13 segue diretamente após o capítulo 12. Isso pode parecer óbvio, mas é importante lembrar. Os dois capítulos devem ser lidos juntos. É assim que Paulo esperava que sua carta fosse lida. No capítulo 12, após uma longa discussão sobre dons espirituais, Paulo aconselha os coríntios a “desejarem ardentemente os maiores dons”. ‘Como se faz isso?’, alguém pode perguntar. Felizmente, Paulo responde a essa pergunta na próxima afirmação: “Vou mostrar-lhes um caminho ainda mais excelente” (12:31). Esse “caminho mais excelente” (de viver a vida cheia do Espírito) é o caminho do amor.
O amor é como os cristãos vivem seu relacionamento com Jesus Cristo, capacitados pelo Espírito Santo. O amor expressa como a vida cristã foi transformada. Dons espirituais, como línguas, profecia ou palavras de conhecimento, não são exercidos para fortalecer o ego espiritual. Eles devem ser manifestações de amor. Se nossos dons espirituais não levam outros, ou a nós mesmos, a uma experiência mais profunda do amor cristão, então perdemos o caminho de Jesus.
O mesmo é verdadeiro para o ministério cristão. No capítulo 12, Paulo apresenta sua imagem da comunidade cristã como um corpo. Assim como um corpo é composto de muitas partes, a comunidade cristã envolve uma multidão de pessoas, todas trabalhando juntas para um propósito comum. Cada componente da comunidade é honrado e elevado. Isso é verdade se alguém é um professor, um pregador ou um realizador de milagres. Novamente, a pergunta surge: Como sabemos que alguém está se engajando no ministério da maneira de Cristo? A resposta é o amor.
Para Paulo, a lógica é clara. Paulo destaca vários exemplos de dons espirituais e depois os enraíza no contexto da comunidade cristã. Ele então discute como cada ministério trabalha junto para o bem do todo. Finalmente, tudo se mantém unido através do trabalho capacitador do amor. O amor nos transforma. O amor flui através de nós. O amor é fundamental para viver uma vida cheia do Espírito. Se não temos amor, podemos realmente dizer que temos o Espírito?
De onde vem “O amor é paciente, o amor é bondoso”?
Reconhecer essa prioridade do amor em nossas vidas espirituais ainda não responde à pergunta de como definimos ‘amor’. O uso contemporâneo dessa palavra pode ser bastante amplo. Afinal, usamos a mesma palavra para descrever nossa devoção ao Senhor e nosso gosto por geléia de bacon! Certamente os dois não são iguais.
A palavra que Paulo usa ao longo de 1 Coríntios 13 é a palavra grega agape. Enquanto nosso uso contemporâneo de ‘amor’ pode ser bastante amplo, agape era definido de forma restrita. Não era usado para amor de cônjuge ou parceiro, nem expressava a camaradagem da amizade. Essas expressões de carinho eram assumidas por diferentes palavras: Eros, para amor romântico ou íntimo; e Phileo, para amor familiar. Agape é um tipo único de amor. A palavra descreve a maneira altruísta e sacrificial de amar, vista principalmente no amor de Deus pela humanidade. É melhor entender agape como o amor que encontra sua fonte na presença de Deus. De fato, João Apóstolo literalmente escreve, “Deus é Agape” (1 João 4:8). Em última análise, esse amor divino e sacrificial de Deus é visto na encarnação. Jesus declara essa realidade quando diz, “Porque Deus tanto agape-ou o mundo que deu seu Filho unigênito” (João 3:16). Jesus é a encarnação de agape.
O amor não é um princípio. O amor não é uma filosofia. O amor, neste contexto, certamente não é uma emoção. No entendimento cristão, o Amor é uma pessoa – e essa pessoa é Jesus. Quando Deus se encarnou em carne humana, o Amor caminhou sobre a terra. Foi o Amor que nasceu em uma manjedoura; o Amor foi crucificado na cruz. O uso da palavra agape, portanto, expressa a realidade da presença de Deus em meio à vida humana.
Agape descreve o amor inflexível, imparável e autossacrificial de Deus para com o mundo, visto na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Assim, não podemos entender o chamado ao amor sem nos enraizarmos na presença de Jesus. Sem Jesus em nossas vidas, o chamado ao amor expresso em 1 Coríntios 13 é sem sentido. Quando Paulo escreve sobre amor, ele está falando sobre um modo de vida que é capacitado pelo Espírito e conectado a Jesus.
Como é “O amor é paciente, o amor é bondoso”?
Agora podemos começar a entender exatamente o que Paulo está dizendo em 1 Coríntios 13. Paulo está escrevendo sobre a maneira como os cristãos vivem no mundo. Ele não está falando sobre o romance de dois apaixonados, mas sobre o testemunho da comunidade cristã. O amor fala sobre como os cristãos expressam o amor de Cristo ao mundo. Os cristãos devem agape os outros, assim como Cristo nos agape-ou (João 13:34).
Embora isso possa parecer simples, essas palavras estão carregadas de significado. Ser paciente e bondoso, por exemplo, é agir da mesma maneira que Cristo. Nossa paciência uns com os outros está enraizada na paciência eterna de Cristo para conosco. A bondade que recebemos em Jesus deve ser refletida na bondade que compartilhamos com os outros. Fazer o contrário é cortar o fluxo do Espírito dentro de nós.
Quando os cristãos são rudes ou agressivos, estão negando a própria vida para a qual Cristo os chama. Além disso, o chamado para amar os outros exige que reconheçamos que não somos os únicos que Cristo ama. Não podemos simplesmente ser desdenhosos com alguém para quem o amor de Cristo é direcionado. Afinal, se Cristo é paciente, bondoso e perdoador com os outros (assim como é conosco), que direito temos de ser diferentes?
Esse é o princípio fundamental que sustenta toda essa passagem. Os cristãos devem expressar aos outros o mesmo amor que Cristo expressa a nós. Não podemos aceitar a oferta de amor agape de Cristo e recusar expressá-la para fora. Fazer isso seria a maior forma de insulto – a Cristo e ao nosso próximo. Assim como Deus expressou Seu amor por nós, também devemos expressar esse amor aos outros.
Uma Palavra Radical
Porque conhecemos bem essa passagem, tendemos a esquecer o quão profunda ela é. As palavras de Paulo aqui são tão transformadoras hoje quanto eram no mundo do primeiro século. Em uma era conhecida por sua ‘cultura do cancelamento’, o chamado para ser paciente e bondoso é radicalmente transformador. Cristo nos chama a expressar amor àqueles fora de nossos círculos de amizade e comunhão. Não se engane, o amor de Cristo deve ser expresso às próprias pessoas que de outra forma escolheríamos ignorar. Se nos pegarmos odiando outro grupo de pessoas, por qualquer motivo, podemos ter certeza de que é a eles que o amor de Cristo deve ser expresso. Ecoando a parábola do Bom Samaritano de Cristo, os cristãos são chamados a expressar amor agape às próprias pessoas que podemos ser tentados a desconsiderar ou até rejeitar. É para aqueles que diferem de nós, que podem até ser opostos a nós, que somos chamados a ser pacientes em vez de desdenhosos. Em vez de sermos rudes, opinativos ou agressivos, Cristo nos chama à bondade. O orgulho, a vanglória, a arrogância ou a vaidade destroem a obra do amor de Cristo em nossas vidas. Não há lugar para essas coisas no coração amoroso do cristão.
Claro, todos nós temos pessoas de quem não gostamos. Todos nós temos pessoas com quem preferiríamos não nos associar. Isso ocorre tanto para aqueles dentro da igreja quanto para aqueles fora dela. Se nossas separações são baseadas em divisões políticas, sociais ou teológicas, todos temos pessoas que vemos como “o outro”. Isso faz parte da natureza caída da humanidade. Cristo, no entanto, nos capacita a ir além disso. Cristo nos chama a amar aqueles que Ele ama, a servir aqueles que Ele serve e a ser tão radicais em nossas expressões desse amor quanto Ele foi. Se os cristãos abraçarem plenamente o caminho do amor agape cheio do Espírito e focado em Jesus, poderíamos, literalmente, mudar o mundo.
Leituras Complementares
O que significa “O amor é paciente”?
“O amor é paciente, o amor é bondoso” – 7 razões pelas quais o amor bíblico é belo
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